O VAMPIRO DE DUSSELDORF – Sérgio Roxo da Fonseca
O alemão Peter Kurten foi preso, julgado e decapitado em 1931, condenado pela prática de vários crimes entre os quais o de estupro e de assassinato de jovens na cidade alemã de Dusseldorf. Foi conhecido pelo nome de “O Vampiro de Dusseldorf”, título depois emprestado ao filme expressionista dirigido por Fritz Lang.
Narra o filme que com a repetição continua dos crimes praticados pelo Vampiro, a população de Dusseldorf passou a exigir uma atuação mais firme e vigorosa da polícia que assim despejou tropas nas ruas, sem conseguir o sucesso esperado. O órgão policial investigava seguindo as regras do direito, as quais, no caso, dificultavam o trabalho de identificação do criminoso. Era ele um homem comum que passeava pelas ruas de chapéu e gravata. Quase sempre assoviando uma música. Não podia passar na cabeça de ninguém que fosse ele um estuprador.
Os ladrões reuniram-se e resolveram também investigar o caso porque já não conseguiam mais exercer plenamente os atos de sua maldita profissão, tendo em conta o grande número de policiais na rua. Os ladrões decidiram substituir os policiais, saindo em busca de apurar a autoria dos crimes, acompanhando as pistas deixadas pelo assovio do estuprador. Quase imediatamente, prenderam o Vampiro e o submeteram a um julgamento secreto.
O Vampiro defendeu-se contestando a competência jurídica dos ladrões para prendê-lo como para julgá-lo. Os ladrões reconheceram não ter poderes estatais porém decidiram que tinham o dever jurídico de matar o Vampiro, valendo-se de dois argumentos.
Primeiramente concluíram que entre a vida do Vampiro e a vida das crianças passiveis de serem estupradas e mortas, mandava a lógica e os bons costumes optarem por executar o Vampiro e amparar suas vítimas hipotéticas.
Em segundo lugar, decidiram que a eliminação do estuprador seguramente contribuiria para diminuir o número de policiais nas ruas, militando em favor daqueles que se especializaram em subtrair ilicitamente bens móveis alheios.
O caso contribuiu concretamente para o estudo não apenas do exercício da força policial como também para o exame dos poderes do Estado exercidos por criminosos ou não criminosos como membros da sociedade civil
O tema tem amplitude seja quando servidores públicos decidem fora de sua competência, usurpando poderes das autoridades, seja para satisfazer o interesse público, seja para contrariá-lo. O jurista e filósofo argentino Genaro Carrió, em “Sobre los limites del linguaje normativo” examina a primeira questão que coincide com fato histórico ocorrido no Brasil, quando três militares editaram a Emenda Constitucional número 1, de 1969, revogando na prática a Constituição em vigor, substituindo-a por um extenso ditado, sem proceder a qualquer consulta ao povo ou ao Poder Legislativo.
Quem seria o culpado ou o inocente? O Vampiro estuprador? Os ladrões que pretendiam assassinar o Vampiro para salvar vidas? Ou a polícia que, no exercício dos poderes estatais, não encontrava meios para resolver tão grande problema? Estão todos normativamente errados? Estão todos normativamente certos e ao mesmo tempo errados?
Os membros da sociedade civil moderna podem tudo, menos o que for proibido pela lei. Reversamente, os servidores públicos nada podem fazer, salvo o que for autorizado pela lei que é a voz do povo livre.
Alfredo Buzaid lecionou, no seu “Do mandado de segurança”, que a sociedade civil foi criou o Estado, e não o contrário. O filme de Fritz Lang formula um grande número de questões, quase todas elas ainda sem resposta duradoura.
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