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30 anos da Lei de Improbidade Administrativa é tema de artigo de Wallace Paiva no Estadão

Artigo marca a estreia do Subprocurador-Geral de Justiça do MPSP na coluna 

Os 30 anos da Lei de Improbidade Administrativa, Lei 8.429, completados em 2 de junho, foram abordados pelo Subprocurador-Geral de Justiça do Ministério Público de São Paulo (MPSP), Wallace Paiva, em artigo publicado no site do jornal Estadão, em 3 de junho. O texto, que faz parte da série Não Aceito Corrupção, do blog do jornalista Fausto Macedo, marca a estreia de Wallace Paiva na coluna.

Entre outros pontos, o autor aborda o contexto político no qual a Lei 8.429 entrou em vigor. “Ela emergiu em inquietante momento histórico no Brasil, abalado com denúncias de corrupção e outros atos lesivos à moralidade administrativa e ao patrimônio público”, precisa o artigo.

Leia a íntegra do texto: 

 

30 anos da Lei da Improbidade

No dia 2 de junho a Lei 8.429 completou 30 anos de existência no ambiente jurídico nacional. É a denominada Lei da Improbidade Administrativa. Ela emergiu em inquietante momento histórico no Brasil, abalado com denúncias de corrupção e outros atos lesivos à moralidade administrativa e ao patrimônio público. A latere da ação popular, do Código Penal e de leis penais extravagantes, essa lei especial atua no círculo de responsabilização de agentes públicos e particulares por atos que podem ser classificados como enriquecimento ilícito no exercício de função pública, prejuízo ao erário e atentado aos princípios da administração pública. É legislação que tutela a ética pública e reprime o patrimonialismo, o conflito de interesses.

Durante seu curso, investigações foram desenvolvidas para apuração desses atos, por instituições de controle externo (Comissões Parlamentares de Inquérito, Ministério Público, Tribunal de Contas) ou interno (Corregedorias, Controladorias e Ouvidorias). Algumas não lograram êxito e foram arquivadas; outras, no entanto, coletaram indícios suficientes e motivaram processos que foram (ou ainda estão para ser) julgados pelo Poder Judiciário, condenando ou absolvendo as pessoas físicas e jurídicas acusadas. Suas condenações são severas e podem impor a perda de bens, o ressarcimento do dano, o pagamento de multa, a suspensão temporária dos direitos políticos e a proibição transitória de recebimento de benefícios e incentivos fiscais ou creditícios além do ressarcimento do dano.

A origem da Lei 8429/92 se deve à consagração da moralidade como princípio jurídico na Constituição e a diretriz de repressão à improbidade contida no § 4º do art. 37 da Constituição de 1988. Ulysses Guimarães bradou em sua promulgação que “a corrupção é o cupim da República”. Por isso, um dos pilares da Constituição é o princípio republicano, pois a república é o regime de responsabilidade, diz a melhor doutrina, e nela não há nichos de impunidade.

Um histórico de 30 anos de uma legislação destinada à punição da improbidade seria algo a comemorar, exatamente num país em que grassa o patrimonialismo nas relações de poder em detrimento de sua higiene ética, em que há uma cultura de improbidade e de desrespeito à lei em desfavor da confiança, e em que impera alto índice de injustiça na distribuição de renda e de ausência ou ineficiência de serviços e prestações básicas em massacre da cidadania. Afinal, nesses 30 anos aqueles que se enriqueceram indevidamente, abusaram do poder ou lesaram o patrimônio público foram responsabilizados, como é normal em qualquer democracia madura e desenvolvida.

Entretanto, em 25 de outubro de 2021 veio à lume a reforma da Lei da Improbidade promovida pela Lei 14.230. Mercê de alguns poucos pontos positivos, as inovações promovidas desfiguraram o diploma legal, despontando o visível retrocesso no trato da prescrição da pretensão, no delineamento da marcha processual, no abrandamento de sanções e na exclusão de responsabilização por alguns dos mais típicos e exemplares atos de improbidade – como é o caso do desvio de finalidade – e de inviabilização de outros atos não explicitamente catalogados (tortura, assédio sexual). Até mesmo o nepotismo terá punição bem difícil.

Portanto, não há razão para se comemorar. Ou melhor, só há motivo para lamentar. É certo que a Lei 8.429 deveria ser aprimorada, especialmente para tornar mais eficiente a investigação de ilícitos ocorridos, na maior parte, na penumbra. A jurisprudência que dela foi formada poderia ser o ponto de partida nessa tarefa. Todavia, a mola mestra da reforma foi outra: o abrandamento na luta contra a corrupção, o que significou ruptura com tratados e convenções internacionais específicos – como a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, a Convenção Interamericana contra a Corrupção, e a Convenção sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – e, ainda, com a Agenda 2030 que tem entre seus objetivos “reduzir substancialmente a corrupção e o suborno em todas as suas formas” (16.5) sob a consideração de que o desenvolvimento sustentável empenha “um efetivo Estado de Direito e boa governança em todos os níveis e em instituições transparentes, eficazes e responsáveis”.

A reforma da Lei da Improbidade não melhorará o combate à corrupção nem trará bons dividendos à nação. O Brasil ocupa a 96ª posição no índice de percepção da corrupção (IPC) da Transparência Internacional em 2021, bem distante dos situados na cimeira como Nova Zelândia, Dinamarca, Finlândia, Noruega, Suíça, Cingapura, Suécia, Canadá, Luxemburgo, Holanda, Reino Unido e Alemanha. Impõe-se a reforma da reforma.

*Wallace Paiva Martins Junior, subprocurador-geral de Justiça (MPSP), doutor em Direito Administrativo (USP) e professor de Direito Administrativo (graduação) e Direito Ambiental (pós-graduação stricto sensu) na Universidade Católica de Santos (UNISANTOS)

 

O artigo também está disponível formato em PDF e no site do Estadão.